Exposição Virtual
3 Artistas
de Engenho
de Dentro

Fernando Diniz

Adelina Gomes

Octávio Ignácio
Em seus quase setenta anos de atividades, o Museu Imagens do Inconsciente vem apresentando periodicamente uma parte de sua coleção ao público visitante, de acordo com as suas possibilidades. Por meio da brava atuação da Sociedade Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente, as obras vêm recebendo um tratamento museológico de ponta, no qual novas descobertas vão sendo reveladas e muitas memórias estão sendo revisitadas. Tornando cada vez mais certeira a missão visionária deixada pela sua fundadora.
Ainda que estejam em curso muitas atividades de manutenção do acervo, a visitação das galerias do Museu foi interrompida por ocasião da pandemia de COVID-19, que vem assolando todo o planeta. Neste período, seus trabalhos voltaram-se para dentro, no sentido de aprofundar o olhar sobre este patrimônio, buscando novas formas de exibição e compartilhamento, senão de todo, mas pelo menos de uma parte destas obras. E assim, nasceu a ideia de realizar a primeira exposição virtual da instituição, 3 Artistas de Engenho de Dentro, um recorte com obras ainda não conhecidas pelo grande público, cujo formato busca valorizar a força de cada um dos trabalhos.
Pelo gigantesco volume de obras, a tríplice curadoria desta exposição optou por realizar a pré-seleção das obras pelos veteranos do MII, Eurípedes Gomes da Cruz Junior e Luiz Carlos Mello, que além de ter convivido com os artistas selecionados, possuem a habilidade de resgatar as memórias contidas nestas obras. Os artistas, Adelina Gomes, Fernando Diniz e Octávio Ignácio, têm em comum a vasta produção artística, que remonta de certa forma suas trajetórias, traço característico do resultado do trabalho criado e desenvolvido pela Dra. Nise da Silveira.
Por isso, não há como separar a figura dos criadores, de suas respectivas produções artísticas, porque o processo de construção destas obras e seus códigos estão diretamente relacionados com a história de vida de cada um deles e dela. Esta exposição proporciona ao seu observador um mergulho em três universos distintos, que transitam entre feminino e masculino, sistemas e organização de imagens, cores saturadas e linhas.
Impossível não se emocionar com tamanha beleza!
Marco Antonio Teobaldo
Curador e membro da Sociedade Amigos Museu Imagens do Inconsciente
Fernando Diniz
“EU NÃO TINHA NENHUM BRINQUEDO QUANDO CRIANÇA. ENTÃO SONHAVA TODO DIA COM BRINQUEDOS INTERPLANETÁRIOS. SÓ TINHA BRINCADEIRAS QUE UMAS CRIANÇAS FAZEM COM AS OUTRAS. O PODER DE SONHAR COM O QUE QUISER – MENOS SONHAR COM O QUE É DA TERRA.”
Biografia
Fernando Diniz nasceu em Aratu, Bahia, em 1918. Aos quatro de idade veio para o Rio de Janeiro com sua mãe, que era excelente costureira. Morando em promíscuos casarões de cômodos, costumava acompanhá-la quando ia trabalhar em casa de famílias ricas e abastadas. Desde garoto, o sonho de Fernando era estudar para ser engenheiro. Inteligente, foi sempre o primeiro aluno da classe. Chegou até o primeiro ano científico, mas abandonou os estudos. Em julho de 1944, foi preso e levado para o manicômio judiciário, sob a alegação de estar nadando despido na praia de Copacabana. Em 1949, começou a frequentar a Seção de Terapêutica Ocupacional. Quando chegou ao ateliê, não levantava a cabeça e sua voz baixa mal se ouvia. Ao ser perguntado sobre a razão da beleza de suas pinturas, respondia: “Não sou eu, são as tintas”. Em sua obra mescla o figurativo e o abstrato, abarcando das mais simples às mais complexas estruturas de composição.
Fernando é um eterno aprendiz. Sua ânsia de conhecimento levou-o a considerar o hospital como uma universidade, e apesar de sua longa reclusão é impressionante a quantidade de informações que acumulou. Sua paixão pelos livros o fez constantemente atualizado com os acontecimentos e as descobertas científicas.
O resultado gráfico de toda essa atividade é um caleidoscópio de imagens ora sucessivas, ora superpostas, dinâmicas e coloridas. Do espaço para o tempo, do inorgânico para o orgânico, do geométrico para o figurativo, e vice-versa, Fernando foi tecendo o seu universo.
Construiu em barro diversos Relógios do Sol, enormes engrenagens de luas e estrelas articuladas. Depois de sua participação no filme Em Busca do Espaço Cotidiano, de Leon Hirszman, pintou e desenhou uma série inspirada pelo cinema em que utilizava movimentos de zoom e outros elementos da linguagem cinematográfica, integrando na imagem o tempo e o espaço. Esse interesse resultou no premiado desenho animado Estrela de Oito Pontas, para o qual realizou mais de 40 mil desenhos sobre a orientação do cineasta Marcos Magalhães.
Segundo Gladys Schincariol, “sua trajetória por esse mundo foi uma verdadeira lição de vida e seu imenso legado é ainda um livro em aberto – ‘o pintor é feito um livro que não tem fim’. Fernando foi um artista ímpar: ‘artista é quase um milagre. O artista já nasceu artista, gosta de se apresentar mostrar a beleza…’ dizia ele.” Fernando morreu em 1999, deixando um legado estimado em 30 mil obras: telas, desenhos, tapetes, modelagens e xilogravuras.
Sobre a Obra
A pintura de Fernando Diniz é deslumbrante. Não há outro adjetivo que qualifique melhor o vigor de sua imagem, que brilha com a precisão de quem constrói um abrigo para se proteger. É desse envolvimento reconfortante que trata a obra de Fernando Diniz. Há luxo. Há calma. Há volúpia nas suas imagens. É como se perseguisse um ideal burguês ao qual nunca teve acesso, mas do qual retirou a palpitação que alimenta seu imaginário. Alijado, mas prisioneiro, devolve, através de sua arte, uma profunda compreensão e admiração àquilo que nunca lhe foi dado ter.
Sua pintura é expressão de seu desejo de penetrar esse universo.
O universo de Fernando Diniz é todo povoado, porque ele é dividido em mil facetas diferentes. Como um lapidador, através dos cortes em ângulos, vai revelando diferentes brilhos de sua imaginação plástica.
Quando lhe perguntei de qual das séries apresentadas na exposição ele mais gostava, respondeu que a pintura é como os dias, cada um tem um santo diferente. Entendi, então, que não era possível comparar.
Cada dia tem um santo. Cada santo tem sua especificidade; assim como sua obra.
Podemos transitar por ela como se estivéssemos em um arquivo. É um inventário fantástico de formas. É enciclopédica. Da casa, concentra-se na sala de visitas e abarca cada detalhe (lustres, sofá, tapetes, piano, partitura, cortinas, fruteiras). Da casa, ainda, as naturezas-mortas, dezenas de frutas e flores diferentes, como se catalogasse uma a uma. Da série de veículos, transportes aéreo, marítimo e terrestre. Instrumentos musicais, um universo sem fim de estrelas. Enfim, tudo o que cabe no mundo cabe na obra de Fernando.
Trata-se de uma pintura feérica e opulenta. Tem a força dos sentidos que se abrem para perceber, receber e inventar no papel as texturas, as cores, as formas; a sensualidade do universo plástico.
Fernando é um dos principais representantes dessa “renascença” única das artes plásticas brasileiras, que a doutora Nise da Silveira soube tão delicada e determinadamente reunir e deixar acontecer no Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro.
Sua obra é comovente. É o testemunho plástico de um dos nossos maiores artistas. É a demonstração de uma construção plástica direta, precisa e preciosa de algo inominável e incomparável, que são a força e o mistério do grande Fernando Diniz.
Márcio Doctors
Curador e crítico de arte.
(Texto extraído do catálogo da Mostra do Redescobrimento – Imagens do Inconsciente, Fundação Bienal de São Paulo, Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais, 2000)
Adelina Gomes
“ADELINA NÃO FALAVA DE JEITO NENHUM. EU PASSAVA PERTO DELA E DIZIA:
— BOM DIA, ADELINA.
ELA NUNCA ME RESPONDEU. PASSARAM-SE ANOS. UM DIA, PASSEI E REPETI:
— BOM DIA, ADELINA.
E CONTINUEI NO CORREDOR DO HOSPITAL. EM SEGUIDA, A ASSISTENTE SOCIAL CORREU E, PASSANDO A MINHA FRENTE, ME DISSE:
— SABE O QUE ACONTECEU? QUANDO VOCÊ PASSOU, POUCO DEPOIS ELA LHE ATIROU UM BEIJO.
MEU ÍMPETO SERIA VOLTAR, MAS ME SEGUREI. NO DIA SEGUINTE, EM VEZ DE DIZER ‘BOM DIA, ADELINA’, ESTENDI A FACE. ELA ME BEIJOU. ESTAVA FEITA A RELAÇÃO.”
Nise da Silveira
Biografia
Moça pobre, filha de camponeses, nasceu em 1916, na cidade de Campos, Estado do Rio de Janeiro. Fez o curso primário e aprendeu variados trabalhos manuais numa escola profissional. Era tímida e sem vaidade, obediente aos pais, especialmente apegada à mãe. Aos 18 anos, apaixonou-se por um homem que não era aceito pela sua mãe. Tornou-se cada vez mais retraída e agressiva, o que levou a família a interná-la. Não houve dificuldade para que aceitasse pintar quando começou a frequentar o ateliê de pintura em 1946.
Segundo depoimento do artista Almir Mavignier, “agressiva e perigosa” foi a descrição a ela atribuída, o que desaconselharia sua presença no ateliê. “Interessado, porém, nas bonecas que ela fazia no hospital, fui buscá-la num dia chuvoso, protegendo-a com um guarda-chuva. Essa atenção, tão normal naquelas circunstâncias, deve ter contribuído para conquistar sua confiança.”
Inicialmente dedicou-se ao trabalho em barro, modelando figuras que impressionam pela sua semelhança com imagens datadas do período neolítico. São mulheres corpulentas, majestosas. Segundo Nise da Silveira, “foi em barro, segundo convinha, o mais primordial dos materiais de trabalho, que Adelina modelou as personagens assombrosas emergidas dos estratos mais profundos do inconsciente. (…). Esta foi a ocupação que ela preferia e que a absorvia durante longas horas.”
Na sua pintura pode-se acompanhar passo a passo as incríveis metamorfoses vegetais que ela vivenciou, originando o famoso estudo da Dra. Nise da Silveira comparando-as com o mito grego de Dafne. Dedicou-se também à confecção de flores de papel e aos trabalhos de crochê, tornando-se a partir de então, uma pessoa dócil e simpática, sempre concentrada em suas atividades, produzindo com intensa força de expressão cerca de 17.500 obras. Adelina faleceu em 1984.
Sua produção artística tornou-se objeto de exposições, filmes, documentários e publicações.
Sobre a Obra
Conheci o trabalho de Adelina Gomes pelo cinema – precisamente com o filme “Imagens do Inconsciente”, obra-prima de Leon Hirszman filmada entre 1983 e 1986 no Centro Psiquiátrico Pedro II (*) e lançada em 1988, após sua morte. Nesta trilogia de Hirszman, o segundo episódio é relativo à artista e o título aponta para as análises feitas por Nise da Silveira: “No reino das mães” – a pesquisadora associa sua produção às relações com figuras femininas no decorrer de sua biografia.
Há uma sutileza no começo do filme que dialoga com a produção da artista: a primeira sequência traz Adelina andando por uma ala do hospital segurando uma bolsa. Corta para ela saindo pelo portão do hospital e, na cena seguinte, ela é vista colhendo flores. Por fim, antes da narração do texto de Nise, há outro corte para a artista dentro do ateliê do hospital. Adelina sai do enquadramento segurando a mesma bolsa e a câmera focaliza em uma flor – uma daquelas coletadas – dentro da sala. De forma muito sutil, Hirszman sugere uma fusão entre o corpo da artista e a flor.
Parte das pinturas mostradas nessa exposição do Museu de Imagens do Inconsciente aponta para essa direção – a aniquilação de diferenças entre aquilo que é visto como humano e aquilo que poderia ser visto como vegetal. Isso se faz perceptível na forma como as imagens de Adelina costumam trazer um desejo em representar a fisicalidade do corpo e, mais precisamente, a importância do rosto. Seja grande e de perfil, seja em uma composição que pareça mais teatral, suas pinturas remetem ao corpo como elemento central – mesmo quando integrado a imagens que por vezes dialogam com aquilo que convencionamos chamar de paisagem ou natureza-morta.
É a maneira como a artista pinta esse corpo, porém, que irá dar esse tom de metamorfose: é difícil olhar para essa série de imagens e não perceber a inteligência como ela aplica e experimenta a cor. Mesmo que em grande parte desses trabalhos seus habituais verdes e azuis predominem, há uma constância no uso de cores fortes que causam um contraste desconcertante pelos vermelhos, amarelos, laranjas e rosas. A pintura de Adelina é permeada pela sugestão de movimentos dados por esse cromatismo.
Gosto de olhar para a produção da artista e para sua famosa frase citada por Nise da Silveira nesse documentário – “Eu queria ser flor” – de maneira ampla e trans-histórica: que as metamorfoses de Adelina se cruzem tanto com aquelas descritas por Ovídio, quanto com as transformações sugeridas por Hayao Miyazaki. Propondo uma conversa com uma produção mais recente de arte no Brasil, que seus ecos da busca pelo “corpo-flor” possam ser escutados nas poéticas de Castiel Vitorino Brasileiro e Tadaskia.
Não nos prendamos a uma forma – entreguemo-nos ao movimento e à incerteza das transformações, assim como Adelina nos ensina até hoje.
Raphael Fonseca
Pesquisador da interseção entre curadoria, história da arte, crítica e educação.
* Nome do hospital localizado na cidade do Rio de Janeiro onde a Dra. Nise da Silveira fundou os ateliês de atividades expressivas.
Octávio Ignácio
“A ESQUIZOFRENIA CONSISTE NUMA DOENÇA EM QUE O CORAÇÃO FICA SOFRENDO MAIS DO QUE OS OUTROS ÓRGÃOS. ENTÃO ELE FICA MAIOR E ESTOURA.”
Biografia
Nasceu em 1916, no estado de Minas Gerais. Trabalhou como serralheiro e como bombeiro. Em 1966, veio frequentar em regime de externato o ateliê de pintura do Museu de Imagens do Inconsciente. Ele era uma pessoa muito inteligente, elaborava pensamentos e ideias com grande poder de síntese. Realizava seus trabalhos com intensidade, muitas vezes em pé.
Dava preferência ao desenho com lápis cera, sobre temas que vão desde o simbolismo animal, das imagens de rituais arcaicos, de imagens que evocam o deus Dionísio, das metamorfoses, de seres fantásticos, até imagens que encontram paralelos com a simbologia alquímica.
Octávio era uma pessoa afetiva e dedicava parte do seu tempo ajudando no trabalho com as crianças do Hospital de Neuropsiquiatria Infantil. Esta preocupação era provavelmente motivada pela infância difícil que teve.
Seus depoimentos surpreendiam a todos. Nise dizia que eram lições que tínhamos que aprender: “A esquizofrenia consiste numa doença em que o coração fica sofrendo mais do que os outros órgãos. Então ele fica maior e estoura”.
Produziu 6.240 obras, participando de exposições no Brasil e no exterior. Em 1978, realizou o livro revolucionário Os Cavalos de Octávio Ignácio com a Sociedade Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente e apoio da FUNARTE, com imagens e textos de sua autoria.
Frequentou regularmente o ateliê de pintura até sua morte, em 30 de agosto de 1980.
Sobre a Obra
Conheci o Museu de Imagens do Inconsciente (MII) nos meados dos anos 1970, levado pelo meu inseparável amigo e irmão Luiz Carlos Mello, que depois tornar-se-ia o principal colaborador da Dra. Nise da Silveira, fundadora do Museu. Nos primeiros meses eu, jovem estudante de música, recuperei um velho harmônio que lá havia. Passei a tocar longos improvisos durante as atividades do ateliê de pintura. O ambiente de concentração e a energia que envolvia aquele lugar eram incríveis! Numa dessas manhãs Octávio Ignácio se aproximou de mim e me deu um conselho: “Muito cuidado com a música. Ela é muito boa, mas muitos padres já ficaram loucos por causa dela”.
Octávio era um diferencial no ateliê: os outros frequentadores eram internados, vestiam uniformes e cumpriam a triste rotina do hospício – enfermaria, pátio, ateliê, enfermaria… ele era um participante externo, vinha de sua casa e trajava roupas comuns.
Aqueles, constantemente mergulhados no profundo e tumular silêncio causado pelos longos anos de internação em lugar tão triste, enquanto Octávio esbanjava alegria e se mostrava quase sempre extrovertido, jovial e brincalhão.
Hoje vejo claramente a força simbólica que esse fato representava naquele momento. Depois de 12 internações, ele começou a desenhar e pintar e depois disso não foi mais reinternado. Octávio representava o futuro, a transição entre o velho e cruel sistema da psiquiatria tradicional e a revolução iniciada por Nise, baseada no afeto e na liberdade: hoje, nos ateliês do Museu de Imagens do Inconsciente, todos estão livres da prisão asilar!
Essa personalidade irrequieta e alegre reflete-se em seu trabalho criativo. Os desenhos de Octávio constituem a quase totalidade de sua obra, são raras as pinturas. Prefere as linhas, que podem ser só de grafite, com as quais executa magníficos esquetes; ou coloridas, onde as cores estão sempre intrinsecamente ligadas ao significado que ele impõe às formas que brotam de seus lápis. Muitos desses desenhos assemelham-se a estruturas renderizadas, hoje tão comuns no mundo digital. Octávio geralmente limita-se ao essencial, não lhe incomodam os espaços vazios do suporte, para ele não existe o horror vacui: pelo contrário, se aproveita da transparência para mostrar detalhes inusitados, nem sempre agradáveis: mandíbulas, rostos terríveis que se escondem sob a pele da face, múltiplas visões de corpos e metamorfoses. Em Octávio, tudo é orgânico, tudo tem vida, tudo pulsa.
De sua profissão de serralheiro trouxe várias coisas: o senso de proporção, a geometria das estruturas de grades e portões que muitas vezes são transpostas para vir servir como base da harmonia de seus desenhos; o desejo de ornamento, as curvas graciosas dos ornatos tantas vezes representados de per se contaminam as representações do corpo humano, transmutando-o em seres híbridos: às vezes semideuses, com atributos que trazem ecos herméticos ou alquímicos; às vezes desconcertantes configurações polisexuais. Jamais se vê em Octávio o corpo como simplória integridade física: ele nos traz um conjunto de ideias e representações de vivências profundas e muitas vezes perigosas.
Possuidor de uma mente rica e perspicaz, suas observações, segundo a Dra. Nise da Silveira, são lições que todos deveríamos aprender. “A pessoa que tem medo do bicho acaba sendo dominada por ele”, diz em seu livro Os cavalos de Octávio Ignácio, onde as imagens criadas sobre o tema do cavalo são acompanhadas por significativos e profundos comentários. O livro, publicado pela FUNARTE, é um marco na história das coleções da loucura. Representa a quebra de um paradigma de exclusão, onde a voz de um artista que criou suas obras no âmbito de um serviço terapêutico dentro de um hospital psiquiátrico faz-se ouvir, alto e bom som, exarando lições a cada frase, lições essas que nós queremos seguir aprendendo.
Sejamos pois, todos nós, discípulos do Mestre Octávio na exposição ora apresentada.
Eurípedes Junior
Museólogo – Museu Nacional de Belas Artes / Vice-presidente da Sociedade Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente